Uma declaração evangélica sobre o cuidado com a criação

Projeto Éden
8 min readSep 14, 2021

A organização internacional Evangelical Environmental Network (Rede Ambiental Evangélica) é um ministério fundado em 1993 que visa “educar, inspirar e mobilizar os cristãos em seu esforço para cuidar da criação de Deus, para serem mordomos fiéis da provisão de Deus, para se envolverem em regiões afetadas pela poluição e defender ações e políticas que honrem a Deus e protejam o meio ambiente.”

O trabalho da EEN está alicerçado no ensino da Bíblia sobre a responsabilidade do povo de Deus de “cuidar do jardim” e no desejo de ser fiel a Jesus Cristo e segui-lo. A EEN publica materiais para equipar e inspirar indivíduos, famílias e igrejas; e busca educar e mobilizar os cristãos para fazer a diferença em suas igrejas e comunidades.

Em 2005, o movimento disponibilizou sua Declaração evangélica sobre o cuidado com a criação, uma importante e inspiradora contribuição para uso pelas igrejas. O documento foi traduzido para português e publicado no site da organização A Rocha para livre compartilhamento. Reproduzimos a seguir o conteúdo da declaração na íntegra:

Sobre o Cuidado com a Criação

Do Senhor é a terra e a sua plenitude. Salmo 24:1

Como seguidores de Jesus Cristo, comprometidos com a plena autoridade das Escrituras e conscientes das maneiras como degradamos a criação, acreditamos que a fé bíblica é fundamental para a solução dos nossos problemas ecológicos.

Porque adoramos e honramos o Criador, procuramos estimar e cuidar da criação.

Porque pecamos, falhamos com a nossa guarda da criação. Portanto nos arrependemos da maneira que poluímos, distorcemos ou destruímos a obra do Criador.

Porque em Cristo Deus curou a nossa alienação de Deus e nos estendeu os primeiros frutos da reconciliação de todas as coisas, nos comprometemos a trabalhar no poder do Espirito Santo para compartilhar as Boas Notícias de Cristo na palavra e na ação, a trabalhar na reconciliação de todas as pessoas em Cristo, e estender a cura de Cristo para a criação sofredora.

Porque aguardamos o tempo em que até a criação que geme será inteiramente restaurada, nos comprometemos a trabalhar vigorosamente para proteger e curar essa criação para a honra e glória do Criador — que conhecemos vagamente através da criação, mas encontramos inteiramente através das Escrituras e em Cristo. Nós e nossos filhos enfrentamos uma crise crescente na saúde da criação onde estamos incluídos, e através da qual, pela graça de Deus, somos sustentados. No entanto continuamos a degradar essa criação.

Estas degradações da criação podem ser somadas como 1) degradação da terra; 2) desmatamento; 3) extinção das espécies; 4) degradação da água; 5) toxificação global; 6) alteração da atmosfera; 7) degradação humana e cultural.

Muitas destas degradações são sinais que estamos pressionando contra os limites finitos estabelecidos por Deus para a criação. Com o contínuo aumento da população, estas degradações se tornarão mais severas. A nossa responsabilidade não é apenas ter e nutrir filhos, mas nutrir o seu lar na terra. Respeitamos a instituição do casamento como a maneira dada por Deus para assegurar a procriação ponderada de filhos e a sua nutrição para a glória de Deus.

Nós reconhecemos que a pobreza humana é tanto uma causa como uma consequência da degradação ambiental.

Muitas pessoas preocupadas, convencidas que os problemas ambientais são mais espirituais do que tecnológicos, estão explorando as ideologias e religiões mundiais em busca de recursos espirituais não cristãos para a cura da terra. Como seguidores de Jesus Cristo, acreditamos que a Bíblia nos chama para responder de quatro maneiras:

Primeiro, Deus nos chama para confessar e nos arrepender das atitudes que desvalorizam a criação, e que distorcem ou ignoram a revelação bíblica para suportar o nosso abuso dela. Esquecendo que “a terra é do Senhor”, muitas vezes simplesmente usamos a criação e esquecemos da nossa responsabilidade de cuidar dela.

Segundo, as nossas ações e atitudes quanto à terra precisam proceder do centro da nossa fé, e estarem enraizadas na completa revelação de Deus em Cristo e nas Escrituras. Resistimos a ambas as ideologias presumindo que o Evangelho não tem nada a ver com o cuidado da criação não humana e também as ideologias que reduziriam o Evangelho a nada mais do que o cuidado daquela criação.

Terceiro, buscamos cuidadosamente aprender tudo o que a Bíblia nos diz sobre o Criador, a criação, e a tarefa humana. Na nossa vida e nas nossas palavras declaramos as boas notícias para toda a criação que ainda está aguardando “ansiosamente a revelação dos filhos de Deus,” (Rom. 8:19).

Quarto, buscamos compreender o que a criação revela sobre a divindade, a presença sustentadora, e o poder infinito de Deus, e o que a criação nos ensina sobre a ordem dada por Deus e sobre os princípios pelos quais ela existe.

Portanto, chamamos todos aqueles que estão comprometidos com a verdade do Evangelho de Jesus Cristo para afirmar os seguintes princípios da fé bíblica, e buscar maneiras de viver de acordo com estes princípios nas nossas vidas pessoais, nas igrejas e na sociedade.

O cosmos, com toda a sua beleza, selvageria, e generosidade de vida, é obra do nosso Criador pessoal e amoroso.

Nosso Deus criador, é anterior e além da criação, mas intimamente envolvido nela, mantendo cada coisa na sua liberdade, e todas as coisas em relacionamentos de complexidade intrincada. Deus é transcendente, ao sustentar cada criatura com amor; e imanente, enquanto inteiramente diferente da criação e não deve ser confundido com ela.

Deus o Criador é relacional por natureza, revelado como três pessoas em Um. Da mesma forma, a criação pretendida por Deus é uma sinfonia de criaturas individuais em um relacionamento harmonioso.

O Criador preocupa-se com todas as criaturas. Deus declara toda a criação “boa” (Gn 1:31); promete cuidado em uma aliança com todas as criaturas (Gn 9:9–17); alegra-se com criaturas que aparentemente não têm utilidade humana (Jó 39–41); e quer, em Cristo “reconciliar todas as coisas consigo” (Cl 1:20).

Homens, mulheres, e crianças têm uma responsabilidade única para com o Criador; ao mesmo tempo somos criaturas, moldadas pelos mesmos processos e inseridas nos mesmos sistemas de interligações físicas, químicas e biológicas que sustentam as outras criaturas.

Homens, mulheres, e crianças, criados à imagem de Deus, também têm uma responsabilidade única para com a criação. As nossas ações devem sustentar tanto a fecundidade da criação como preservar o poderoso testemunho da criação para o seu Criador.

Nossos talentos administrativos dados por Deus, foram frequentemente distorcidos quanto à sua finalidade: que conhecemos, nomeamos, guardamos e nos alegramos com as criaturas de Deus; que nutrimos a civilização com amor, criatividade e obediência a Deus; e que oferecemos a criação e a civilização de volta com louvor ao Criador. Temos ignorado os nossos limites como criaturas e usado a terra com ganância, ao invés de cuidado.

O resultado terrestre do pecado humano tem sido uma guarda pervertida, uma manta de retalhos de jardim e de terra desertificada onde os resíduos estão aumentando. “Não há fidelidade, nem amor, nem reconhecimento de Deus na terra… Por causa disto a terra lamenta, e todos os que vivem nela definham” (Os 4:1,3). Portanto, uma consequência do nosso mau uso da terra é uma rejeição injusta da generosidade criada por Deus para outros seres humanos, tanto agora como no futuro.

O propósito de Deus em Cristo é curar e trazer para a plenitude não somente as pessoas mas também toda a ordem criada. “Pois Deus ficou satisfeito ao ter toda a totalidade habitando Nele, e através Dele reconciliar-se com todas as coisas, tanto as coisas na terra como as coisas no céu, trazendo a paz através do Seu derramamento de sangue na cruz” (Col. 1:19–20).

Em Jesus Cristo, os crentes são perdoados, transformados e trazidos ao reino de Deus. “Se alguém estiver em Cristo, é nova criação” (2 Co 5:17). A presença do reino de Deus é marcada não somente pela comunhão com Deus, mas também pela harmonia e justiça renovadas entre as pessoas, e pela harmonia e justiça renovadas entre as pessoas e o resto da criação. “Vocês sairão com alegria e conduzidos na paz; as montanhas e as colinas começarão a cantar perante vocês, e todas as árvores no campo aplaudirão” (Is 55:12).

Acreditamos que em Cristo há esperança, não somente para homens, mulheres e crianças, mas também para o resto da criação que está sofrendo as consequências do pecado humano.

Portanto, chamamos todos os Cristãos a reafirmar que toda a criação é de Deus; que Deus a criou boa; e que Deus a está renovando em Cristo.

Encorajamos uma reflexão mais profunda sobre substanciais ensinamentos bíblicos e teológicos que falam sobre o trabalho de redenção de Deus quanto à renovação e conclusão do propósito de Deus na criação.

Buscamos uma reflexão mais profunda sobre as maravilhas da criação de Deus e os princípios como a criação trabalha. Também incitamos uma cuidadosa consideração sobre como as nossas ações empresariais e pessoais respeitam e obedecem às determinações de Deus para a criação.

Encorajamos os Cristãos a incorporar a criatividade extravagante de Deus nas suas vidas aumentando o papel de cultivar a beleza e as artes nos seus padrões pessoais, eclesiásticos e sociais.

Incitamos que os Cristãos e as igrejas sejam centros de cuidado e renovação da criação, alegrando-se com a criação como uma dádiva de Deus, e desfrutando dela como uma provisão de Deus, de modo a sustentar e curar o tecido danificado da criação que Deus nos confiou.

Lembramos as palavras de Jesus que as nossas vidas não consistem da abundância das nossas posses, e portanto exortamos os seguidores de Cristo a resistir ao fascínio do desperdício e excesso de consumo fazendo escolhas de estilo de vida pessoal que expressem humildade, tolerância, comedimento e frugalidade.

Chamamos todos os Cristãos para trabalhar para economias divinas, justas e sustentáveis que reflitam a economia suprema de Deus e permitam aos homens, mulheres e crianças florescer juntamente com toda a diversidade da criação. Reconhecemos que a pobreza força as pessoas a degradar a criação para sobreviver; portanto, apoiamos o desenvolvimento de economias justas e livres que capacitem os pobres e criem abundância sem diminuir a generosidade da criação.

Comprometemo-nos a trabalhar para políticas públicas responsáveis que incorporem os princípios da guarda bíblica da criação.

Convidamos os Cristãos — indivíduos, congregações e organizações — a juntar-se a nós nesta declaração evangélica sobre o meio ambiente, um grupo de pessoas aliadas formando num círculo cada vez maior de cuidado bíblico da criação.

Chamamos os Cristãos a ouvir e trabalhar com todos aqueles que se preocupam em curar a criação, com uma ânsia tanto de aprender como também compartilhar com eles a nossa convicção que o Deus que todos sentem na criação (At 17:27) apenas é conhecido na Palavra que se tornou carne em Cristo, o Deus vivo que fez e sustenta todas as coisas.

Fazemos esta declaração sabendo que até Cristo voltar para reconciliar todas as coisas, somos chamados para sermos guardiões fiéis do bom jardim de Deus, o nosso lar terrestre.

Este documento foi preparado por Anthony Whitten (2005) e pode ser usado livremente. Traduções em várias línguas foram preparadas gentilmente e também estão disponíveis para uso no site de A Rocha.

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